quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O lugar comum do preconceito em tempos de eleições

Nesta semana vamos viver uma ressaca eleitoral. Os comentários e análises já estão aí para comprovar. E como tem sido desde o momento que o PT chegou à presidência da república pela primeira vez, um dos traços dessa ressaca é o preconceito de alguns. Pela lógica de quem navega soberano e tranquilo no mar do preconceito, votar no PT é sinônimo de ignorância, falta de informação, falta de ética e ter tido o azar de nascer no norte ou nordeste, terras que têm no DNA a herança maldita da pobreza e da burrice.
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Os motivos alegados e que dão fundamento ao preconceito são:
Gente sem informação e educação vota no PT. Esquecem os armados de preconceito que educação não existe só na formalidade das escolas e universidades. Educação e informação têm outras fontes. Muito nordestino bom de cordel faz de sua arte o suporte para tecer críticas, defender ideias e informar. Confundem também os preconceituosos, letramento com senso crítico. O que deveria muitas vezes andar de mãos dadas vive em geral no divórcio. As faculdades estão cheias de alunos que querem ser técnicos e que não suportam qualquer disciplina que leve à reflexão.
Vota no PT quem não acompanha a política. Outro equívoco. O pleito eleitoral com tanta gente discutindo e se posicionando sobre os motivos do voto não é critério para medir a participação política do povo. Podemos considerar a euforia dos últimos dias como um fenômeno à parte do natural desinteresse pela política. O comum é o grosso da população ter ojeriza a tudo que se refere à política e manter distância de movimentos sociais. Não querer pensar a política no Brasil é quase um problema cultural atávico. Os analistas políticos dos últimos dias, divulgadores de vídeos, panfletos, montagens, não são mais que especialistas de ocasião, assentados sobre construções da realidade elaboradas pelos grandes meios de comunicação.
O movimento das ruas não se refletiu nas urnas. Nesta afirmação acredita-se que os que foram para as ruas estavam lá de forma preferencial para tirar o PT do poder. Esquecem os formuladores da tese que o descontentamento era geral, que se recusava qualquer bandeira partidária, que o povo das ruas estava recusando a estrutura como um todo, e as reivindicações abarcavam problemas tão diversos quanto contraditórios, que a consciência daquelas concentrações heterogêneas é difícil de ser aferida. Os que estavam nas ruas podem ter votado tanto em Aécio como em Dilma pelos mesmos motivos, ou não votado em nenhum candidato.
O bolsa família é a principal fonte de votos do PT. Projeto repudiado por quem votou em Aécio e chamado de bolsa miséria é tido como responsável pela reeleição de Dilma. A equação simplista é que o medo de perder o benefício puxou votos para a candidata. Se fosse verdade, São Paulo teria votado mais em Dilma. Depois da Bahia, São Paulo é o Estado que mais recebe benefícios do programa, seguido por Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Maranhão (Ver quadro).


Outro fator importante para a análise é a distância porcentual entre Dilma e Aécio nos estados onde o tucano foi vencedor. Com a exceção de São Paulo, os índices não são acachapantes, o que permitiu a candidata ser eleita.
O povo preguiçoso prefere viver de esmolas. Não, o povo não prefere viver na miséria e de esmolas. A maior parte das pessoas não está disposta a viver só para comer do que vem de um programa de governo. As pessoas têm aspirações maiores do que simplesmente sobreviver. Um pouco mais de generosidade na forma de ler a realidade faria notar que em muitos casos a situação da fome no Brasil era grave e sem remediações imediatas. A fome não espera soluções de longo prazo. Dar pão aos famintos é parte de medidas que visam corrigir inicialmente o irremediável. A outra parte da solução vem com cotas, investimento na educação (acesso ao ensino ampliado nos últimos anos, fato inconteste) redução do desemprego (4,9%, a menor taxa desde setembro de 2002, de acordo com o IBGE). A correção de um país voltado por séculos para as classes abastadas não vem de uma hora para outra. Leva tempo e pede atenção para quem antes não foi atendido em suas necessidades. Para o país ser de todos são necessárias medidas que dão prioridade aos mais frágeis. Não se pode olvidar que a fome já foi uma das maiores chagas da nação, e ela se concentrava sobremaneira no nordeste.
A vitória de Dilma não é fruto de motivos fantasiosos e que levam a explicações que depreciam o outro. O cálculo para se votar levam em consideração os anseios, a realidade, os riscos e um complexo maior de sentimentos. Achar que só uma parte da população é capaz de fazer isso e a outra não, é puro autoengano. Acreditar também que o desejo de mudança estivesse só de um lado e que o outro votou pela permanência é delírio. Os de baixo viram algo mais que a bolsa família. Viram oportunidades serem criadas, salários em ascensão, crédito acessível e educação franqueada. Quem votou em Dilma votou para mudar mais e encontrou razões para creditar isso a ela e não a seu opositor.

Magno Marciete do Nascimento Oliveira

Padre, mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, doutorando pela mesma instituição e Professor na PUC- Minas

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