sábado, 6 de janeiro de 2018

DOM HÉLDER CÂMERA, PATRONO DOS DIREITOS HUMANOS



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DOM HELDER CAMARA: A COERÊNCIA DO PROFETA E A INCOERÊNCIA DO GOVERNO
“É preciso que se consagrem os direitos inalienáveis, inerentes à própria dignidade da pessoa humana: o direito à moradia e ao trabalho, o direito à educação e à saúde. Só a garantia desses direitos sociais evitará, nesse País, a existência de subcidadãos e de sub-homens brasileiros, de segunda classe”. Dom Helder Camara

Falar em Direitos Humanos no Brasil é desafiador e, por incontáveis vezes, causa indignação e frustração. Em um país onde a pobreza voltou a crescer, onde milhares de pessoas não conseguem, sequer, ter direito a um pedaço de pão todos os dias; onde milhares de homens, mulheres, jovens e crianças dormem nas ruas; onde educação, saúde, emprego e moradia, direitos de todos, que ainda são inacessíveis para tantos, têm seus recursos congelados por vinte anos, em que nível de prioridade  estão os direitos humanos?
Dom Helder Camara sempre esteve à frente na defesa dos direitos humanos. Perseguido pela ditadura militar teve sua morte civil decretada através da proibição de que seu nome fosse citado em qualquer veículo de imprensa no Brasil. Entretanto encontrou nas universidades e na imprensa de todas as partes do mundo o espaço para denunciar as violações aos direitos humanos no Brasil, tanto os decorrentes da ditadura, quanto os decorrentes da marginalização imposta pelo modelo econômico concentracionista.
Tendo como título uma citação bíblica, “OUVI OS CLAMORES DO MEU POVO”, realizou um profundo diagnóstico da situação do povo na década de 1970 no nordeste do Brasil,  cuja publicação foi logo confiscada e proibida pela ditadura.
Usando os auditórios e teatros de universidades, igrejas e movimentos sociais que no mundo inteiro lhe queriam ouvir, alertou para os escândalos da fome no mundo, de uma minoria de ricos cada vez mais ricos a custa de milhões de pobres cada vez mais pobres, da corrida armamentista e sua indústria de armas.
Acolhendo a todos dentro da Igreja a quem tanto amou e sempre foi fiel, abraçou com todas as forças a opção evangélica pelos pobres. Coordenador e signatário do Pacto das Catacumbas assinado durante o Concílio Vaticano II, onde se propunha que os bispos  vivessem como  o povo, mudou-se para um uma casinha nos fundos da Igreja das Fronteiras e ali viveu e acolheu todos que o procuravam. Coerente com a opção evangélica pelos pobres, foi um entusiasta da Teologia da Libertação, logo  acusada de inspiração comunista pelos donos do poder fora e dentro da Igreja.
“Quando dou comida aos pobres me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres me chamam de comunista”. (link para página com frases nessa linha)
Tudo o que recebia era utilizado em benefício dos empobrecidos. A criação do Banco da Providencia, a experiência de reforma agrária com os camponeses no Cabo, nos engenhos Ipiranga, Taquari e Guaretama, a distribuição de lotes residenciais em Tururú, em Paulista, a construção da Casa de Frei Francisco nos Coelhos, no Recife, são exemplos da ação social sempre presente e sempre indutora de libertação.
Tudo isso trouxe consequências. O trucidamento de seu auxiliar, o Padre Henrique, a expulsão de padres estrangeiros, o metralhamento e pichações do muro de sua casa, a decretação de sua morte civil,  a “ação diplomática” exercida por mais de uma vez pela ditadura para impedir a outorga do Prêmio Nobel da Paz, a virulência dos ataques pela imprensa nunca o intimidaram nem arrefeceram o seu entusiasmo e a sua esperança.
Bispo da Igreja e cidadão do mundo, ele viveu intensamente a indivisibilidade dos dois mandamentos nos quais se resume toda a lei de Deus: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
Tudo isso ele viveu em Olinda e Recife, para onde foi nomeado arcebispo em 12 de março de 1964.
Exatamente 50 anos depois, em 12 de março de 2014, por iniciativa do deputado Arnaldo Jordy do PPS do Pará,  é apresentado na Câmara Federal um projeto de lei, indicando Dom Helder como Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos. Nada mais justo e ninguém melhor que Dom Helder para simbolizar e ser exemplo dessa luta, daí o agradecimento do IDHEC, em nome de todos os seguidores e admiradores de Dom Helder pela significativa indicação.
Acontece que, apesar de tratar-se de um projeto de lei de uma única frase, sem artigos, parágrafos e incisos e de não precisar sequer votação em plenário, a sua aprovação nas comissões das duas casas, Câmara e Senado, arrastou-se por longos três anos, seis meses e seis dias até ser levada, em 18 de dezembro de 2017 à sanção do presidente da república.
Nada parecido com a celeridade que as mesmas casas legislativas deram nesse período à criminalização das já então tradicionais “pedaladas fiscais”, à destituição da presidenta da república e sua substituição por alguém comprometido com um conjunto de reformas que agride os direitos humanos da maioria da população e à aprovação dessas reformas, utilizando para isso todos os expedientes ditos legais, mas seguramente ilícitos e algumas vezes como acusado por membros das próprias casas, imorais e fraudulentos.
Assim, se a iniciativa é meritória e digna de aplausos, o contexto dentro do qual ela foi aprovada merece a manifestação da profunda indignação daqueles que sempre tiveram em Dom Helder um exemplo de firmeza, de coerência e de esperança agostiniana.
Por isso ao finalizar este editorial queremos nos solidarizar com o arcebispo Dom Fernando Saburido, que tem abraçado a seu modo e no tempo atual a causa da defesa dos direitos humanos, quando em carta aberta questiona de forma direta a falta de coerência dos poderes da república ao promulgarem essa lei que homenageia dom Helder como Patrono dos Direitos humanos,quando  diariamente utilizam todos os expedientes para cortar esses mesmos direitos da parte mais pobre da população, deixando inalterados e por vezes até ampliando seus próprios e inaceitáveis privilégios.
Por tudo isso, convocamos a todos e todas que sempre consideraram Dom Helder, o Dom da Paz, da Justiça, da Esperança e dos Direitos Humanos a fortalecer a união e a interlocução com os movimentos populares, sociais, de trabalhadores e com todas as pessoas de boa vontade, para, em 2018, intensificar a luta pela preservação e/ou restauração dos direitos que têm sido tirados da população brasileira, honrando dessa forma Dom Helder como Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos. A nossa força é a esperança!
 (“A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem.
   A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como elas estão.
  A coragem, nos ensina a mudá-las”).    Santo Agostinho     
 
Recife 4 de janeiro de 2018
                                   Diretoria do Instituto Dom Helder Camara- IDHEC