Paulo
Rubem Santiago (*)
“A sociedade que elegeu Dilma não o fez para ser
governada pela inércia dos números, por uma governabilidade encurralada pelo
fisiologismo e pelos mercados, por ortodoxas metas de inflação anuais e seus
juros cavalares, por câmbio flutuante e superávit primário pró-rentistas, muito
menos pelas estruturas a favor dos movimentos especulativos. As alternativas
econômicas e políticas existem, mas precisam agora, mais do que nunca, de
liderança e vontade política para serem adotadas”
O
Deputado Eduardo Cunha, Presidente da Câmara Federal, aceitou na última
quarta-feira, 02 de dezembro, abrir o processo que poderá gerar o impeachment
da Presidente Dilma. Acatando representação do Jurista Hélio Bicudo e outros,
argumenta-se que o atual governo não segue a meta fiscal prevista na lei
orçamentária e com isso descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal. No
documento recebido por Cunha há também
argumentos quanto à prevaricação e à ausência de medidas preventivas de
combate à corrupção. Quanto aos aspecto fiscal, o Congresso acaba de alterar a
meta, algo legal e previsível. Quanto aos demais assuntos, há mais de um ano
diversos orgãos da estrutura do estado, como Polícia Federal, Receita Federal, Ministério
Público Federal e Poder Judiciário vem atuando em conjunto para investigar e
combater os atos de corrupção denunciados nos contratos da PETROBRAS e outras
empresas. A oposição, leia-se PSDB e DEM, faz duras críticas ao déficit público
e à proposta enviada pela Presidente Dilma de assumir legal e transparentemente
haver um déficit de mais de R$ 100 bilhões nas contas nacionais. Silêncio
absoluto ou groseira manipulação de informações pairam, contudo, acerca das
causas do déficit, dos contornos da atual política monetária, das altas taxas
de juros e da explosão da dívida pública de curto prazo.E por que do déficit?
Será culpa dos gastos exorbitantes com saúde, educação, segurança, previdência
social, saneamento, habitação, PAC e bolsa-família? De jeito nenhum. Isso tudo
e mais as despesas com a defesa e a ciência e tecnologia atingiram 4% do PIB em 2014. Já os gastos com
juros da dívida pública, que sobe sempre que se eleva a taxa SELIC, a taxa de
juros contra a inflação, chegaram a 6,2%
do PIB. No primeiro bloco de despesas atendem-se 150 milhões de
brasileiros. No segundo, de 25 a 30.000 CPFS e CNPJs de “investidores”. Entre setembro de 2014 e agosto de 2015
foram gastos com juros R$ 484 bilhões, quase cinco vezes mais que o orçamento
da saúde no país. Se algum presidente pode e deve ser questionado não deve
ser, na essência, pelas consequências, mas pelas causas do desequilíbrio das
contas e da explosão da dívida pública. Nesse caso, teriam sido questionados
FHC, Lula e até Dilma, mas também as Agências Reguladoras Internacionais de
Avaliação de Risco, as empresas financeiras que alimentam a Pesquisa FOCUS,
sobre as expectatiivas de inflação, feita desde 2001 pelo Banco Central, deve
ser questionado seu Comitê de Política Monetária, o COPOM, que define a taxa
SELIC, os analistas de mercado, muitos dos quais ex-presidentes e diretores do
Banco Central e alguns "jornalistas" figurões do noticiário
econômico. Por que? Porque se o governo adota tais medidas, todos eles
defenderam e defendem as mesmas, o aumento
dos juros, que aumentam a dívida pública, provocam déficit, reduzem
investimentos, puxam a queda do PIB, com brutal desvio de recursos da produção
e do trabalho para a renda financeira. Nas entranhas, a tão falada Lei de
Responsabilidade Fiscal, cujo " desrespeito" agora é a âncora para o
pedido de impeachment, apertou a relação receitas
x despesas, mas liberou os gastos com a dívida pública. A Lei é de 2000, um
ano após FHC assinar acordo com o FMI para sacar dólares, aceitando receitas
amargas de condução da economia. Escancarou as portas do país ao capital
externo, vendeu patrimônio, desamarrou salários da inflação passada mas manteve
indexados a ela os contratos de áreas privatizadas ( energia e
telecomunicações), jogou juros no espaço, quase triplicou a dívida pública. A
crise de hoje é o preço pago pelo abandono de alternativas e das históricas
bases sociais dos governos que sucederam FHC. Muito de nós, seus eleitores,
avisamos sobre isso, cobramos, propusemos, fomos votos vencidos. Esse processo
de impeachment é uma jogada golpista travestida de "responsabilidade
fiscal". Com altos e até questionáveis sacrifícios à sociedade, Lula e
Dilma baixaram a dívida pública líquida para 33,5% do PIB. FHC a recebeu em 24%
e entregou em 60%. Ainda assim PSDB e DEM querem falar de responsabilidade
fiscal. Cínicos e manipuladores. Ambos governaram com o mesmo PMDB de Cunha e
Renan, com Collor e FHC. O que apuraram de seus prováveis maus costumes? Terão
prevaricado também? Agora, quanto a isso, se houve, todos prevaricaram,
inclusive a maioria do Congresso e sua Comissão Mista de Orçamento, Planos e
Fiscalização, bem como as maiores bancadas, que decidem as matérias. Ou será
que parte do Congresso prevaricou porque era financiada pelas empreiteiras? A
superação dessa crise política, fiscal e econômica tem que vir por outros
caminhos. É para cortar despesas? Cortem-se ou que sejam proteladas as que são
improdutivas, que não geram mais infraestrutura, melhorias na condição de vida
das pessoas, nem melhor gestão para o estado, cortem-se, por isso, as maiores
parcelas, que sejam renegociadas, auditadas, como prevê a Constituição de 1988,
em especial as que transferem receitas para os que vivem da remuneração de
papéis públicos. Enfrentar a crise fiscal com mais desemprego, queda nos
salários e aumento de lucros financeiros é um erro descomunal. Empresas não
renegociam dívidas com bancos públicos? Não parcelam impostos sonegados junto à
receita, por anos e anos ? Por que o estado não pode fazer o mesmo? A proposta
de impeachment hoje, nesse contexto, é uma mistura de oportunismo com
manipulação de desinformação fiscal para gerar crise política. O PT, embora
sofrendo imenso desgaste, ainda tem bases sociais que querem outros rumos,
embora sua cúpula não as ouça faz tempo. Outras bases sociais certamente apoiarão
a mudança de rumos. Há propostas. A sociedade que elegeu Dilma não o fez para
ser governada pela inércia dos números, por uma governabilidade encurralada
pelo fisiologismo e pelos mercados, por ortodoxas metas de inflação anuais e
seus juros cavalares, por câmbio flutuante e superávit primário pró-rentistas,
muito menos pelas estruturas a favor dos movimentos especulativos. As
alternativas econômicas e políticas existem, mas precisam agora, mais do que
nunca, de liderança e vontade política para serem adotadas. Por isso é
necessário rechaçarmos o impeachment e a perpetuação da dominância financeira a
favor dos mercados na gestão das contas nacionais. Todo poder emana do povo e
em seu nome deve ser exercido.
Recife, 3 de
dezembro de 2015.
(*) `Professor da UFPE,
Deputado Federal 2003-2014
Foi Vice-Presidente da
Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal
Foi Titular da CPI da
Dívida Pública
Autor do Requerimento de
criação da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Foi Vice-Líder do PDT
Atualmente é Membro da
Executiva Nacional do PDT e Secretário Nacional de Assuntos Econômicos de
Desenvolvimento do partido.
É Presidente da Fundação
Joaquim Nabuco-FUNDAJ.